(Começo por solicitar a vossa compreensão pela longa mensagem que se segue, mas a extensão é absolutamente justificável).
É minha opinião que a discussão em torno dos novos espaços para ensino das ciências necessita de reflexão sobre o que significa ensinar ciências e, portanto, que implicações têm as opções que se tomarem.
A discussão neste fórum tem revelado duas posições:
- uma que defende condições laboratoriais de elevada qualidade, funcionais e especializadas (esta posição é expressa por António Ferreira e descrita em pormenor no documento do Programa Ciência Viva);
- eoutra que assume a necessidade de espaços flexíveis, que podem ser utilizados quer como laboratórios escolares de biologia, geologia, física e química quer como espaços onde pode decorrer qualquer tipo de actividade de ensino (actividade laboratorial em grupo turma ou em grupos menores; aula expositiva com recurso a equipamento para demonstração; aula baseada na utilização de recursos informáticos; actividades de projecto e de oficina; etc.).
Esta segunda posição assume que é desejável que num futuro próximo todas as aulas de ciências decorram em espaços próprios, como os apresentados na proposta discutida na reunião.
A tradição de construção de escolas em Portugal tem sido a de criar laboratórios escolares (em geral, um por disciplina, com espaços anexos para arrumos e preparação) juntamente com salas de aula normais. Esta tradição iniciou-se com as construções que se seguiram à reforma de 1947-48, aquando da criação de disciplinas que tinham uma componente de trabalhos práticos de 2 horas semanais, com turmas de 40 alunos divididas em dois grupos, nos então 6.º e 7.º anos dos liceus (actualmente 10.º e 11.º anos de escolaridade). Esta opção significou décadas de ensino das ciências em que as actividades práticas eram relegadas exclusivamente para o laboratório, nos níveis mais elevados, apenas para os alunos de ciências. Qualquer um de nós (com mais de 50 anos...) pode facilmente recordar-se do número de vezes que teve oportunidade de fazer observações e medidas antes do 6.º e 7.º ano: na quase totalidade, zero... E nos 6.º e 7.º ano, os trabalhos práticos eram do estilo mais ou menos receita, sem continuidade e integração com a componente teórica e, em muitos casos, certamente sem qualquer proveito em termos de aprendizagem (nem nos lembramos dos temas desses trabalhos...!).
Esta tradição tem sido mantida no pós-25 de Abril, provavelmente por razões de inércia e ausência de reflexão e investigação sobre novos espaços de ensino.
A proposta que foi apresentada pretende alterar o conceito de espaço para ensino das ciências. É coerente com uma visão de ensino das ciências baseada na observação e na reflexão sobre o real, sobre os objectos e sobre os fenómenos naturais, por oposição a uma visão de ensino baseada na retórica e na palavra do professor, que explica a matéria no quadro (ou usa acetatos ou powerpoint) numa sala de aula normal (para onde, se for esforçado, pode levar algum equipamento, necessariamente leve!). Deste modo, pretende-se que o espaço normal de ensino seja um espaço que permita aos alunos a observação e a manipulação do real, não apenas a audição do professor. Esta visão de ensino exige que se aumente o número de salas equipadas para o ensino das ciências de tal modo que num futuro que se deseja o mais breve possível todas possam decorrer em espaços próprios e adequados.
O colega António Ferreira tem insistido em que, pelo contrário, o importante é a existência de investimento em laboratórios bem equipados, profissionais, com espaços anexos em quantidade (sala de balanças, armazém de reagentes, sala de preparação, etc.), considerando a solução acima proposta como uma solução amadora, tipo n em 1. Lendo com atenção o texto no qual esteve envolvido (documento Ciência Viva), verifica-se ainda que os laboratórios propostos têm diversas áreas funcionais (experimentação em trabalho de grupo; zona de apresentação; zona de trabalho com computadores e Internet), destinadas a grupos de alunos correspondentes a ½ da turma. Estou de acordo com este tipo de espaços, mas penso que podem ser todos numa mesma sala, desde que o equipamento seja adequado e flexível. E, sem dúvida, parece-me preferível ter vários espaços adequados para todas as aulas do que um ÚNICO laboratório muito bem equipado e profissional mas onde só esporadicamente os alunos podem ir (ou nunca vão, como sucede em muitos casos no ensino básico).
Note-se que não é possível considerar que um laboratório escolar é semelhante a um laboratório profissional. Os exemplos que dá referentes ao equipamento de cozinha, sugerem que devemos ter laboratórios/cozinhas profissionais, não espaços polivalentes para todos as actividades de ensino das ciências. Mas comparar o laboratório / espaço de ensino das ciências de uma escola com um laboratório de investigação é como comparar um telescópio escolar com o telescópio espacial Hubble. Um laboratório escolar não tem qualquer hipótese de se assemelhar a um laboratório profissional, nomeadamente um laboratório de investigação. As verbas e a complexidade de equipamentos nunca poderão ser comparáveis. E, claro, as finalidades são completamente distintas: num laboratório escolar faz-se educação científica, que não tem evidentemente nem a profundidade nem os recursos da investigação científica.
O modelo proposto, coerente com as especificações actuais comuns noutros países com elevada tradição no ensino experimental das ciências, pode ser sintetizado do seguinte modo:
- Os espaços são agrupados aos pares, tendo cada par uma sala comum a meio;
- Cada sala terá aproximadamente 8 m x 10 m, com bancadas laterais (0.80 m de profundidade) e 5 tomadas de águas; as bancadas laterais têm armários transparentes por debaixo e uma prateleira por cima;
- Cada sala tem 9 mesas de 0.80 m x 1.80 m, cada mesa para três alunos, com altura igual à das bancadas laterais, com bancos sem rodas com apoio lombar e duas posições para os pés;
- A configuração das mesas pode ser alterada com facilidade, sem ruído, permitindo desde a existência de pequenos grupos de trabalho até um único grande grupo;
- O material das mesas e das bancadas é de elevada resistência a todo o tipo de produtos;
- Cada sala tem um espaço próprio para colocação de mochilas e casacos dos alunos, bem como duche/lava-olhos de duplo comando;
- Cada sala tem uma parede com portas de correr onde se pode projectar a partir de qualquer computador na sala, escrever, afixar, etc. Por detrás das portas de correr encontra-se um grande espaço de arrumação, com facilidade de visualização e de acesso;
- A sala de apoio, comum a duas salas de aula, tem aproximadamente 8 m x 8 m, é separada por uma parede transparente isolada sonoramente, com portas igualmente transparentes, largas; a visibilidade da sala pode ser reduzida ou eliminada com estores de enrolar;
- A sala de apoio tem equipamento comum (hotte transportável; frigorífico; armário de reagentes com extracção; armário de ferramentas; bancada com torno; mesas para preparação e, ou, trabalho de projecto; zona de lavagem; balança de precisão; aproveitamento total dos restantes espaços para arrumação com visibilidade do exterior; etc.).