Que espaços para o ensino das ciências? Uma solução "amadora"?

Que espaços para o ensino das ciências? Uma solução "amadora"?

por Vitor Teodoro -
Número de respostas: 3

(Começo por solicitar a vossa compreensão pela longa mensagem que se segue, mas a extensão é absolutamente justificável).

 

É minha opinião que a discussão em torno dos novos espaços para ensino das ciências necessita de reflexão sobre o que significa ensinar ciências e, portanto, que implicações têm as opções que se tomarem.

 

A discussão neste fórum tem revelado duas posições:

  • uma que defende condições laboratoriais de elevada qualidade, funcionais e especializadas (esta posição é expressa por António Ferreira e descrita em pormenor no documento do Programa Ciência Viva);
  • eoutra que assume a necessidade de espaços flexíveis, que podem ser utilizados quer como laboratórios escolares de biologia, geologia, física e química quer como espaços onde pode decorrer qualquer tipo de actividade de ensino (actividade laboratorial em grupo turma ou em grupos menores; aula expositiva com recurso a equipamento para demonstração; aula baseada na utilização de recursos informáticos;  actividades de projecto e de oficina; etc.).

Esta segunda posição assume que é desejável que num futuro próximo todas as aulas de ciências decorram em espaços próprios, como os apresentados na proposta discutida na reunião.

 

A tradição de construção de escolas em Portugal tem sido a de criar laboratórios escolares (em geral, um por disciplina, com espaços anexos para arrumos e preparação) juntamente com salas de aula normais. Esta tradição iniciou-se com as construções que se seguiram à reforma de 1947-48, aquando da criação de disciplinas que tinham uma componente de trabalhos práticos de 2 horas semanais, com turmas de 40 alunos divididas em dois grupos, nos então 6.º e 7.º anos dos liceus (actualmente 10.º e 11.º anos de escolaridade). Esta opção significou décadas de ensino das ciências em que as actividades práticas eram relegadas exclusivamente para o laboratório, nos níveis mais elevados, apenas para os alunos de ciências. Qualquer um de nós (com mais de 50 anos...) pode facilmente recordar-se do número de vezes que teve oportunidade de fazer observações e medidas antes do 6.º e 7.º ano: na quase totalidade, zero... E nos 6.º e 7.º ano, os trabalhos práticos eram do estilo mais ou menos receita, sem continuidade e integração com a componente teórica e, em muitos casos, certamente sem qualquer proveito em termos de aprendizagem (nem nos lembramos dos temas desses trabalhos...!).

Esta tradição tem sido mantida no pós-25 de Abril, provavelmente por razões de inércia e ausência de reflexão e investigação sobre novos espaços de ensino.

 

A proposta que foi apresentada pretende alterar o conceito de espaço para ensino das ciências. É coerente com uma visão de ensino das ciências baseada na observação e na reflexão sobre o real, sobre os objectos e sobre os fenómenos naturais, por oposição a uma visão de ensino baseada na retórica e na palavra do professor, que explica a matéria no quadro (ou usa acetatos ou powerpoint) numa sala de aula normal (para onde, se for esforçado, pode levar algum equipamento, necessariamente leve!). Deste modo, pretende-se que o espaço normal de ensino seja um espaço que permita aos alunos a observação e a manipulação do real, não apenas a audição do professor. Esta visão de ensino exige que se aumente o número de salas equipadas para o ensino das ciências de tal modo que num futuro que se deseja o mais breve possível todas possam decorrer em espaços próprios e adequados.

 

O colega António Ferreira tem insistido em que, pelo contrário, o importante é a existência de investimento em laboratórios bem equipados, profissionais, com espaços anexos em quantidade (sala de balanças, armazém de reagentes, sala de preparação, etc.), considerando a solução acima proposta como uma solução amadora, tipo n em 1. Lendo com atenção o texto no qual esteve envolvido (documento Ciência Viva), verifica-se ainda que os laboratórios propostos têm diversas áreas funcionais (experimentação em trabalho de grupo; zona de apresentação; zona de trabalho com computadores e Internet), destinadas a grupos de alunos correspondentes a ½ da turma. Estou de acordo com este tipo de espaços, mas penso que podem ser todos numa mesma sala, desde que o equipamento seja adequado e flexível. E, sem dúvida, parece-me preferível ter vários espaços adequados para todas as aulas do que um ÚNICO laboratório muito bem equipado e profissional mas onde só esporadicamente os alunos podem ir (ou nunca vão, como sucede em muitos casos no ensino básico).

 

Note-se que não é possível considerar que um laboratório escolar é semelhante a um laboratório profissional. Os exemplos que dá referentes ao equipamento de cozinha, sugerem que devemos ter laboratórios/cozinhas profissionais, não espaços polivalentes para todos as actividades de ensino das ciências. Mas comparar o laboratório / espaço de ensino das ciências de uma escola com um laboratório de investigação é como comparar um telescópio escolar com o telescópio espacial Hubble. Um laboratório escolar não tem qualquer hipótese de se assemelhar a um laboratório profissional, nomeadamente um laboratório de investigação. As verbas e a complexidade de equipamentos nunca poderão ser comparáveis. E, claro, as finalidades são completamente distintas: num laboratório escolar faz-se educação científica, que não tem evidentemente nem a profundidade nem os recursos da investigação científica.

 

O modelo proposto, coerente com as especificações actuais comuns noutros países com elevada tradição no ensino experimental das ciências, pode ser sintetizado do seguinte modo:

  • Os espaços são agrupados aos pares, tendo cada par uma sala comum a meio;
  • Cada sala terá aproximadamente 8 m x 10 m, com bancadas laterais (0.80 m de profundidade) e 5 tomadas de águas; as bancadas laterais têm armários transparentes por debaixo e uma prateleira por cima;
  • Cada sala tem 9 mesas de 0.80 m x 1.80 m, cada mesa para três alunos, com altura igual à das bancadas laterais, com bancos sem rodas com apoio lombar e duas posições para os pés;
  • A configuração das mesas pode ser alterada com facilidade, sem ruído, permitindo desde a existência de pequenos grupos de trabalho até um único grande grupo;
  • O material das mesas e das bancadas é de elevada resistência a todo o tipo de produtos;
  • Cada sala tem um espaço próprio para colocação de mochilas e casacos dos alunos, bem como duche/lava-olhos de duplo comando;
  • Cada sala tem uma parede com portas de correr onde se pode projectar a partir de qualquer computador na sala, escrever, afixar, etc. Por detrás das portas de correr encontra-se um grande espaço de arrumação, com facilidade de visualização e de acesso;
  • A sala de apoio, comum a duas salas de aula, tem aproximadamente 8 m x 8 m, é separada por uma parede transparente isolada sonoramente, com portas igualmente transparentes, largas; a visibilidade da sala pode ser reduzida ou eliminada com estores de enrolar;
  • A sala de apoio tem equipamento comum (hotte transportável; frigorífico; armário de reagentes com extracção; armário de ferramentas; bancada com torno; mesas para preparação e, ou, trabalho de projecto; zona de lavagem; balança de precisão; aproveitamento total dos restantes espaços para arrumação com visibilidade do exterior; etc.).
Além destas salas, é construída uma sala para trabalho de professores, com mesas centrais, uma mesa redonda e armários individuais para cada professor.

 

Em resposta a 'Vitor Teodoro'

Re: Que espaços para o ensino das ciências? Uma solução "amadora"?

por Utilizador apagado -
Como professora de Biologia e Geologia passei por muitas escolas (liceus!) tradicionais, onde havia o tal laboratório de Biologia, o de Geologia, o de Química e o de Física, separados e mesmo em pavilhões diferentes, com sala de preparação e funcionário. Aulas práticas nesses laboratórios faziam-se muito poucas ou mesmo nenhumas. Quando havia era de demonstração: Observar ao microscópio só com preparações definitivas (para não correr nada mal); Ensino experimental ausente com honrosas excepções; As colecções (muitas vezes fantásticas) estavam fechadas em armários...
Parece-me pois, e apenas da minha experiência de quase 30 anos de ensino, que o fundamental é o professor querer-fazer e também me parece que os laboratórios profissionais são talvez o óptimo que é inimigo do bom - um espaço que funcione e onde se experimente, mesmo coisas simples, introduzindo conceitos como variáveis, quantificações, controle, etc, com aulas práticas. O partilhar de recursos também me parece útil (em vez de pedinchar o Banho-Maria com agitador à química, por exemplo!)
Em resposta a 'Vitor Teodoro'

Re: Que espaços para o ensino das ciências? Uma solução "amadora"?

por Utilizador apagado -

Bom tarde a todos

 

Confesso que inicialmente estava à espera que este forum trouxesse algumas ideias novas mas neste momento já estou um bocadinho cansada desta discussão que no meu entender não leva a lado nenhum, perdoem-me a franqueza. Esperemos que com a intervenção do Vitor Teodoro se entenda realmente que existem duas posições diferentes (embora o doc. do ciencia viva do qual eu também participei, não exprima a opinião que o nosso colega António tem vindo a defender neste forum e no debate que se realizou!)

Claro que todos nós que estudámos em liceus mais ou menos tradicionais e que já damos aulas há uma eternidade, fomos confrontados com escolas em que as idas aos laboratórios  pior ou melhor equipados) eram esporádicas e até de pouca valia muitas das vezes. E não tenhamos dúvidas que se uma escola não tiver condições ( nem laboratorios funcionais nem funcionario) o professor que pretenda fazer ensino experimental lá consegue furar o esquema. Mas isto é o que se pretende que acabe.

Que haja optimas condições para leccionar as ciências e que mesmo aqueles professores que por norma não pratiquem ensino experiemntal possam ser incentivados. ( e claro muito mais haveria a dizer sobre este tema como a formação dos professores etc etc)

Chamem sala de ciências ou laboratórios a verdade é que temos que ter espaços funcionais mas sem esquecer que a parte experimental tem um papel importante também! E eu não confundo educação em ciências com investigação cientifica. Mas considero tal como o documento do ciencia viva exprimia que o tal laboratorio  ou as salas das ciencias como se quiser chamar tem de ter uma area de trabalho prático com bancadas ( como já vem descrito anteriormente)  e outras areas funcionais. Diz o Vitor

Lendo com atenção o texto no qual esteve envolvido (documento Ciência Viva), verifica-se ainda que os laboratórios propostos têm diversas áreas funcionais (experimentação em trabalho de grupo; zona de apresentação; zona de trabalho com computadores e Internet), destinadas a grupos de alunos correspondentes a ½ da turma. Estou de acordo com este tipo de espaços, mas penso que podem ser todos numa mesma sala, desde que o equipamento seja adequado e flexível.

Mas obviamente que era essa a proposta! e ainda acrescenta:

E, sem dúvida, parece-me preferível ter vários espaços adequados para todas as aulas do que um ÚNICO laboratório muito bem equipado e profissional mas onde só esporadicamente os alunos podem ir

Mas acrescento eu quais as razões porque isso acontece?! não é por ser muito bem equipado é por ser UNICO como dizia o Vitor, vamos ver quantas destas salas vão ser instituidas!

 (ou nunca vão, como sucede em muitos casos no ensino básico). 

 Claro que estou de acordo! E se fosse possivel equipar todas as salas de ciencias assim claro que era optimo! até porque às vezes a meio de uma aula  surge a necessidade de ir buscar qualquer objecto que por acaso até está noutro pavilhão a milhas de distâncias! E puder finalmente ter alunos numa mesma sala em diferentes fases num projecto qualquer ainda melhor ! Uns pesquisando, outros trabalhando em conjunto e outros em actividades experimentais!

Confesso que não tenho acesso a não ser através de documentos ao que se faz noutros paises com elevada tradição no ensino experimental das ciencias, mas a minha experiencia profissional diz-me que o ensino das ciencias não pode traduzir-se numa mera execução de um protocolo! Mas atenção não se pode nem deve descurar o equipamento tanto coisas pequenas das grandes como por exemplo, banco de optica, conjunto de sensores,  calhas de ar,  estufas, etc.

Recuperando o que o Vitor dizia

A sala de apoio tem equipamento comum (hotte transportável; frigorífico; armário de reagentes com extracção; armário de ferramentas; bancada com torno; mesas para preparação e, ou, trabalho de projecto; zona de lavagem; balança de precisão; aproveitamento total dos restantes espaços para arrumação com visibilidade do exterior; etc.).

Quanto à opinião do colega António já tivemos oportunidade de ter esta discussão aquando da reunião realizada no ciência viva e de certeza que haverá muitas outras oportunidades para debater de novo!

 

Em resposta a 'Vitor Teodoro'

Re: Que espaços para o ensino das ciências? Uma solução "amadora"?

por Maria da Luz Castro -

Nunca tive o privilégio de desfrutar de um espaço de laboratório construído de raiz com as características flexíveis da segunda proposta mas há muito que o desejo ter. A experiência, ainda que incipiente, da alguns anos da Clinica das Ciências Experimentais (apoio Ciência Viva), na Escola Secundária D. Dinis, veio confirmar-me as vantagens de uma sala flexível permitindo actividades práticas e aulas teórico-práticas de CFQ, utilização do microscópio digital em Biologia e trabalhos de projecto multidisciplinares.  <?xml:namespace prefix = o ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:office" />

Acredito e sinto, e pratico dentro do possível, que as aulas de Física e de Química fazem mais sentido se permitirem facilmente contextualizar o seu conteúdo nos objectos e fenómenos reais que são eles próprios o objecto do estudo. As aulas práticas de 135 min são no meu entender uma das melhores medidas tomadas na organização do ensino das CFQ. Laboratórios flexíveis, modernos e confortáveis  como locais permanentes das aulas de CFQ, seria ouro sobre azul... Acredito que este tipo de laboratórios permitiria:

  • Melhorar e facilitar a organização das aulas na perspectiva de práticas e teórico-práticas, no dia a dia;

  • Rentabilizar materiais, custos, recursos humanos,...

  • Proporcionar um ambiente menos formal, do que os laboratórios actuais, condizente com o envolvimento dos alunos que pretendemos seja cada vez mais espontâneo nas actividades prático-laboratoriais características da actividade em ciência;

  • Rentabilizar melhor o tempo e aumentar a produtividade dos alunos na actividade prático-laboratorial uma vez que se tornaria uma sala que lhes seria mais familiar e na qual se movimentariam com mais naturalidade e facilidade;

  • Interiorizar melhor nos alunos as características da natureza da ciência, em particular das suas práticas, e mais naturalmente nestas se envolverem, por ser o espaço próprio e permanente das suas aulas de ciências;

  • Ser vantajosamente um espaço multidisciplinar: não são as questões científicas nas áreas da saúde,do ambiente, dos novos materiais, da bioética, etc. cada vez mais multidisciplinares?

  • Muito pragmaticamente, evitar andar com o material para trás e para diante para as demonstrações em sala de aula sempre que queiramos provocar os fenómenos reais ou mostrar equipamento sob estudo nas aulas que não são catalogadas como práticas.

Aguardo ansiosamente por um laboratório assim...

M. Luz Castro