“A Educação Digital Humanizada é aqui definida como o processo educativo que se utiliza de meios digitais interativos, em especial a internet, norteado por princípios humanistas, que privilegia a utilização de metodologias ativas centradas na aprendizagem do aluno e em suas relações com os demais, sua comunidade, meio ambiente e social. [...] subordina os conteúdos e objetivos de aprendizagem das diferentes ciências e saberes à problematização da realidade, em uma visão holística, com ênfase na criatividade, na ética do cuidado, no pensamento crítico, na colaboração, na autonomia, no diálogo, na resolução de problemas e na transformação social.” (BARROS, 2018, p.206).
A EDH pode ser utilizada em modelos de ensino com maior ou menor utilização de tecnologia, sendo aplicada em uma aula, em um curso, sistemas de ensino, projetos pedagógicos e outros, tanto na educação formal quanto informal, físico ou virtual.
A seguir serão discutidas a contribuição de cinco conceitos chaves para a existência da EDH: Dimensão do cuidado; Diálogo colaborativo; Liberdade criativa; Autoria narrativa; e Problematização da realidade.
Dimensão do cuidado
Defende-se aqui a “pedagogia do cuidado”, ou seja, reafirma-se a importância da dimensão do cuidado como elemento fundamental do processo de humanização na educação. Nos ambientes ricos em tecnologia da Educação Digital é preciso desenvolver a ética do cuidado, do cuidado de si e do cuidado com o outro. O cuidado, enquanto dimensão ética, implica em uma relação de estar junto, de alteridade, de reconhecer o outro como parte de si próprio e de um todo, de ser e estar no mundo e com o outro. Este conceito procura resgatar, antes de tudo, a dimensão ética na educação, colocando o ser humano, as relações humanas, a solidariedade como prioridades de fato e de direito na prática educativa.
O papel do docente é o de provocar a reflexão no aluno sobre o conhecimento de si mesmo, do outro e do mundo, “formando cidadãos reflexivos, autônomos e participativos”, o docente é, antes de tudo, aquele que acompanha o aluno no processo, mais do que aquele que dita normas. (KAHLMEYER-MERTENS, 2008)
Em ambientes de aprendizagem, por exemplo, a dimensão do cuidado ocorre pela presença do educador em acompanhar a trajetória dos estudantes, em fazer parte de um processo de aprendizagem o mais enriquecedor possível, e também, no desenvolvimento da aprendizagem entre pares, na solidariedade, na ajuda-mútua, na colaboração entre os estudantes para que cada um alcance seus objetivos de aprendizagem. O cuidado é uma dimensão ética fundamental, para saber mais (opcional), leia o texto O cuidado em sala de aula.
Diálogo colaborativo
Para Freire (1987, p.45) “o diálogo é uma exigência existencial”, é o encontro dos homens e mulheres no mundo, para transformá-lo. E nesse sentido o diálogo não pode ser instrumento de dominação ou imposição de ideias. “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE,1987, p.44).
“[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.” (FREIRE,1987, p.39).
O diálogo, portanto, é base para a interação e colaboração. As descobertas, histórias e experiências vividas e compartilhadas pelos sujeitos no convívio em rede seriam elementos essenciais na ampliação e manutenção destas redes de aprendizagem (SCHELLER, VIALI, LAHM, 2014).
“A educação no contexto digital deve ser vivenciada como uma prática concreta de libertação e de construção de história. E, aqui, devemos ser todos sujeitos aprendizes, solidários num projeto comum de construção de uma sociedade na qual não exista mais a palavra do explorador e do explorado.” (GOMEZ, 2004, p.23).
Em ambientes de ensino-aprendizagem diversos, a presença do diálogo é fundamental para o processo de humanização. É a partir do diálogo, horizontalizado, não hierarquizado, que cada um pode expressar-se com seus medos, desejos, subjetividades e histórias. É na relação dialógica, nas contradições, nas convergências, na fala e na escuta de si próprio e dos demais, que a elaboração necessária à aprendizagem ocorre.
“O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo. Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial. E já que o diálogo é o encontro no qual a reflexão e a ação, inseparáveis daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é preciso transformar e humanizar, este diálogo não pode reduzir-se a depositar ideias em outros. Não pode também converter-se num simples intercâmbio de ideias, ideias a serem consumidas pelos permutantes.” (FREIRE, 1980, p.82).
Liberdade criativa
A liberdade é uma condição vital para a espécie humana. É a partir dela que homens, livres, interagem e constroem novos conhecimentos e práticas. Embora não possa haver liberdade absoluta, ou seja, sempre estamos com níveis relativos de liberdade, sua importância no processo educativo contemporâneo é fundamental.
“[...] a libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. (FREIRE, 1987, p.67).
Embora muito apregoada, a liberdade e a criatividade são continuamente desestimuladas nas práticas educativas hegemônicas que privilegiam a obediência e a reprodução. O esforço em construir ambientes com estímulo à liberdade, à autonomia, à escolha consciente e à criatividade dos alunos e professores são fundamentais para a humanização da educação. Metodologias ativas que permitam diferentes caminhos, personalização e flexibilização dos itinerários formativos são fundamentais neste processo de empoderamento, auto-estima e autonomia dos estudantes.
Fonte: Os Companheiros em Liberdade.jpg Licença: Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0
Autoria Narrativa
“Há uma quase enfermidade da narração. A tônica da educação é preponderantemente esta — narrar, sempre narrar.” (FREIRE,1987, p.39).
A crítica de educadores humanistas tem sido com relação ao monólogo narrativo de professores, a aula expositiva narrativa onde apenas a história do conteúdo que é ensinado teria valor. Nos meios digitais essa narrativa pode ainda ser mais empobrecida pela repetição ao longo do tempo da mesma vídeo aula.
Uma das chaves para a existência da Educação Digital Humanizada é a valorização da narrativa dos sujeitos da aprendizagem. Professores e estudantes devem ter valorizadas suas histórias de aprendizagem, seus erros e acertos, sua autobiografia, sua trajetória pessoal e intransferível de aprendizagem. A riqueza destas narrativas está em seu processo de criação e elaboração, reside em sua autoria, em sua constante re-criação.
Ser autor de sua própria narrativa, implica, simbolicamente, em ser autor de sua própria vida. Ao colocar-se em perspectiva no mundo, o sujeito que aprende historiciza sua relação com o mundo. Cada pessoa carrega sua própria história, e essa história, carregada de emoções, saberes e experiências interfere em seu processo de aprendizagem. Ferramentas como portfólios, blogs, wikis e fóruns podem ser espaços importantes para atividades que valorizem a autoria e a narração das histórias de aprendizagem.
Problematização da realidade
“Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo.” (FREIRE,1987, p.39).
O ato de problematizar o mundo que nos cerca é fundamental para o processo de reflexão e ação sobre a realidade. A problematização da realidade humaniza a educação, no sentido do ser humano encontrar sua plenitude ao agir conscientemente na transformação do mundo. Ao analisar a realidade, pensar e agir sobre ela, o ser humano passa a ser sujeito ativo de sua vida, autor de sua história, do ponto de vista individual e social.
“A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar". (FREIRE, 1987, p.44).
Diversas abordagens metodológicas ativas podem ser utilizadas em ambientes ricos em tecnologia. Metodologia da Problematização com o arco de Maguerez, Aprendizagem baseada em problemas, Aprendizagem por Projetos entre outras podem desafiar os estudantes a pensarem sua realidade concreta, a região onde estão inseridos, realizarem pesquisas, apropriarem-se de conceitos e conteúdos a fim de proporem soluções e atuarem no enfrentamento de problemas da realidade, na transformação social.